“O projecto da balsa é como o projecto da vida”, conversa com Márcio Vilela

Márcio Vilela, artista de origem brasileira com estúdio na Interpress, falou-nos sobre o seu mais recente projecto artístico, “Previsão de Deriva”. Em Setembro deste ano, partiu em viagem numa balsa salva-vidas, entregue à imensidão do mar. Tal viagem na balsa, desenhou um percurso, que se concretizou num desenho, entregue às correntes marítimas e às condições meteorológicas durante as 56 horas de trajecto, que totalizou 85km. Para o auxiliar no seu processo artístico, Márcio Vilela contou com o apoio da Marinha e da Autoridade Marítima Nacional, ao mesmo tempo que era acompanhado por outras demais equipas, como de filmagem, tendo que coordená-las em simultâneo. A paisagem da ilha dos Açores foi a escolhida como cenário para esta obra, realizada no âmbito das Residências Artísticas do Pico do Refúgio.

O desenho da rota, que acompanhou a linha de costa açoreana, constitui o trabalho artístico, servindo o percurso da balsa como sua ferramenta de desenho. Márcio iniciou este projecto em 2014, correspondendo a 7 anos de trabalho. Em 2015 realizou-se um primeiro teste de lançamento da balsa cujo resultado não foi o esperado, levando o artista a redesenhar a balsa e a melhorar certas falhas encontradas. Em conversa com Márcio Vilela sobre a inspiração para esta sua obra, conta-nos: “O projecto da balsa é como o projecto da vida, em que somos confrontados com o contraste realidade-expectativa.” Perante as possíveis adversidades atmosféricas e físicas que tal percurso poderia trazer, surge esta dicotomia entre o plano pensado e a força da natureza, tal como o futuro que, por mais que tentemos contrariar, nem sempre corre como planeado.

Quando perguntado pela sua inspiração, Márcio realça: “Vivo para a arte”. É nestas aventuras pela natureza, no risco e na incerteza, que celebra o seu talento. Sem entrar em pormenor sobre os pensamentos e detalhes mais íntimos desta sua experiência pelo mar açoreano, Márcio Vilela salienta que este é um projecto aberto, dado que cada espectador deve senti-lo à sua maneira. “Eu estou fora da perspectiva. Criei um campo, uma narrativa, e cada um deve viver o conteúdo da experiência à sua maneira. O desenho, a fotografia e o vídeo, que farão parte de uma futura exposição, falam por si, estando a sua interpretação sob as mãos daqueles que a virem.” Toda a viagem foi documentada em vídeo, assim como através de várias fotografias analógicas.

A aventura principiou com o lançamento da balsa salva-vidas de um precipício na Fajã do Calhau, na região Sul da ilha de S. Miguel. Sozinho na balsa, ao nível da água, Márcio destacou um “estado de presença muito forte” durante toda a experiência, revelando a variedade de estímulos a que estava sujeito, como o bater das ondas, o cheiro e o som do vento e do mar. Assim que partiu da ilha, entregue à força das ondas, sentiu como que um “reality check”, uma espécie de libertação de toda a confusão de uma vida em sociedade para um contacto extremo com a natureza, regressando à ideia de Homem primitivo e despindo-se do materialismo e conforto contemporâneo.

A aventura ocorreu em pleno equinócio de Setembro, contando com uma belíssima lua cheia que o iluminou durante a primeira noite. “Sentado” na água, foi também alvo de uma pequena tempestade no segundo dia, pelo que é possível distinguir a força da mesma na linha desenhada do percurso.

Terminada a experiência, o artista encontra-se a trabalhar o conteúdo obtido, a fim de o expor no próximo ano. Denote-se que Márcio Vilela está também nos últimos preparativos para a sua próxima exposição, “Superflora”, que inaugura já no próximo dia 13 de Janeiro na Galeria Foco, estando esta relacionada com a paisagem brasileira.

Para mais informações sobre o artista e suas exposições, visite o site.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *